Ressignificando o “não”
O útero é o primeiro mundo em que vivemos. Nele tínhamos quase tudo aquilo que necessitávamos, quase que imediatamente, o que nos proporcionava uma impressão de onipotência. Podemos dizer que este primeiro mundo era quase um paraíso.
Mas, o mesmo corpo hospedeiro que diz “sim” acolhendo-nos no útero é o mesmo que diz “não” quando nos percebe como um “corpo-estranho” tal qual um vírus ou uma bactéria que precisa ser expulsa. É quando nos primeiros três meses de existência vivenciamos uma luta pela sobrevivência contra aquilo que denominamos aborto espontâneo. E assim temos as primeiras experiências ambíguas de “sim” e “não”, “prazer” e “desprazer”.
Assim ao nascermos, somos expulsos do "paraíso", de nosso primeiro mundo. Mas, aos poucos percebemos um outro mundo bem maior do que aquele em que vivíamos, entretanto nem sempre satisfatório.Este é o mundo externo.
Enquanto que no útero a satisfação era quase plena, fora do útero esta é mais limitada e lenta. E assim revivemos a ambiguidade sim/não. A sensação de onipotência mantida pela satisfação quase imediata de nossas necessidades uterinas aos poucos vai contrastando com a realidade do mundo externo.
Para haver satisfação é necessátio um mediador, ou seja, alguém que substitua aquela função uterina de satisfação, este meio e/ou este alguém é o que o reconhecemos como mãe. Por isso, ela é representada como fonte (meio) de satisfação. E desta forma ela representa um “sim”.
Só que nem sempre o peito satisfaz, nem sempre a mãe atende de imediato a demanda e necessidade quando elas surgem. Assim sendo, aos poucos “vai caindo a ficha”, e percebemos que a vida aqui fora tem muitos “não" ao prazer imediato e ilimitado. Então desejamos retornar para aquele mundinho gostoso e satisfatório, quase um paraíso.
Desejamos o antes-nascer, ou seja, o retorno ao útero e às vezes, em estados depressivos confundimos isso como o desejo de morte.
Mas, voltar não pode "o jeito é dar um jeito" aqui fora mesmo. Quem sabe desviando de cada "não" que surge. Ou quem sabe conquistado cada “sim”. Para isso é preciso aceitar/tolerar o fato de que nem sempre é possível, não se pode tudo. O “não” é um limite necessário e condição muitas vezes para um “sim”.
Foi aquele "não coloque o dedo na tomada Paulinho" que salvou a vida dele. Aí o "não" foi necessário ao "sim" à vida.
E noutro dia que a mãe disse "não coma todos estes doces Paulinha" e ela "danada" comeu e teve um dor de barriga. Está vendo! O "não" se aceito evitaria a dor. Mas, ela só aprendeu assim. Então a dor no sentido de "não ao prazer" foi necessário.
Só assim, reconhecendo a nossa impotência relativa e aceitando os “nãos” da vida, do mundo externo podemos conquistar um “sim” aqui outro ali. O “não” passa ser ressignificado em seu valor e em sua funcionalidade, deixa de ser um inimigo sempre e passa ser compreendido e aceito como na possibilidade de um “mal necessário”. Leva tempo, leva às vezes uma vida inteira. Por isso mesmo, o quanto antes melhor.
Marcelo Barreto.